terça-feira, 29 de setembro de 2009

Samir Mesquita, guerrilheiro das letras, na Carta Capital

Sociedade

Fábio Fujita

25/09/2009 14:57:32

Em culturas essencialmente noveleiras, literatura é vanguarda. Não é preciso desmistificar a propalada lenda de que a cidade de Buenos Aires teria mais bibliotecas públicas do que todo o Brasil para saber que a sobrevivência pelas letras nestas paragens é missão para poucos. Que dirá no caso de um autor iniciante que, sem a chancela de best sellers no currículo, topa com a encruzilhada esquizofrênica: como se tornar um deles, se as editoras não lhe derem a primeira oportunidade de publicação? Para Samir Mesquita, de 27 anos, a solução tem sido simples: descortinar caminhos alternativos, próprios, em meio aos padrões viciados do mainstream editorial. Depois do bem-sucedido projeto Dois Palitos, compilação de microcontos vendida, literalmente, em caixas de fósforo, Mesquita colhe os frutos de seu segundo trabalho, 18:30, que, como o título bem sugere, tem como tema a hora do rush. Diferente do formato tradicional de um livro, 18:30 apresenta-se como um mapa desdobrável, com a imagem de uma via pública congestionada. Cada carro parado dá margem a um microconto. Mas o aspecto mais curioso é que, além de estar à venda, o livro também encontra-se “à troca”.


A estratégia extravagante tem a ver menos com a ideia de que um autor pouco conhecido “não vende” do que com a real aceitação de sua condição de escritor em início de carreira – com todas as implicações nela contidas. Mesquita sabe que seu repertório de influências para a literatura que desenvolve, e que o fará evoluir como literato, ainda carece de muitas leituras importantes. “É um jeito de simplificar transações monetárias e de você ajudar na formação deste jovem escritor”, ele argumenta em seu site oficial, onde as trocas devem ser tratadas (para comprar 18:30, só em livrarias). Ali, Mesquita coloca uma lista de livros que lhe interessam trocar por seu 18:30, dos quais constam desde clássicos como A Metamorfose, de Franz Kafka, até obras menos populares como Cantiga de Ninar, de Chuck Palahniuk.

Mesquita lembra também que a decisão de experimentar o esquema de escambo surgiu de uma constatação que fizera na ocasião de seu primeiro projeto editorial, Dois Palitos. “Todo dinheiro que recebia pela venda dele acabava gastando em livros”, recorda. Além disso, intuiu que seria uma forma de estimular as pessoas a visitar sua página. “Essa relação de proximidade e amizade que esse sistema tem me ajudado a construir com os leitores é extremamente instigante”, explica. Até agora, Mesquita já conseguiu, via permutas, cerca de 200 livros, entre os que almejava ter e outros que foram oferecidos sem estar nos planos. Mas ninguém propôs barganhas inconsequentes, como “dois Paulo Coelho” por seu 18:30. “As pessoas são muito generosas comigo. Quando propõem outros livros fora da minha listinha, são ótimos títulos”, ele diz, embora admita ter recebido nesses rolos até tratado de estudo sobre o trânsito.

Mais interessante é que o microcontista é o seu próprio publisher. E, no anterior Dois Palitos, também assinou o “projeto gráfico”, por assim dizer. Todo o processo de produção do livreto fora artesanal: Mesquita comprava as caixas de fósforo, tirava os palitos, colocava o conteúdo e substituía a etiqueta da frente. Original assim, somado ao preço “de capa” a 10 reais, Dois Palitos já vendeu 5,3 mil unidades, número impensável em se tratando de um livro de estreia, ainda mais sem uma grande editora na retaguarda. “E ele foi publicado bem em uma época em que começou a se falar mais sobre microcontos, quando as pessoas passaram a descobrir esse gênero”, avalia. Mesquita visualiza seu interesse nessa microliteratura a partir de uma oficina literária que realizou em 2007 com o escritor Marcelino Freire, grande entusiasta das pílulas literárias. Quando Freire propôs que os alunos produzissem um contículo para a aula seguinte, Mesquita, em uma semana, escreveu cerca de 80 – base do que viria a ser seu Dois Palitos. Só os layouts peculiares das obras têm gerado alguns problemas. A falta de páginas sequenciais de 18:30 inviabilizou que este obtivesse o ISBN, o código internacional de registro dos livros. Do ponto de vista formal, portanto, 18:30 não existe. “Perguntei para a mulher da agência (que fornece o ISBN): ‘Se não é um livro, é o quê?’ E ela respondeu: ‘Não sei, senhor. Desculpe’”.

Questões burocráticas à parte, o estilo telegráfico de Mesquita parece especialmente oportuno nestes tempos em que o poder de síntese, cuja melhor metáfora é a moda do Twitter (microblog de relacionamento), parece superar a tergiversação como sinônimo de comunicação eficiente. Sintomático disso é que muitas editoras, hoje em dia, já não aceitam sequer avaliar originais que ultrapassem um determinado número de páginas. Mesquita – que, ao lado da poetisa Analu Andrigueti, estampou alguns de seus microcontos numa coleção de calcinhas da grife Santo Pecado para o Dia dos Namorados – refuta a tese de que sua microarte seja uma etapa para a literatura convencional. “Não acho que um romance tenha mais valor do que um conto ou até um microconto. Para mim, o valor de uma obra está no quanto ela instiga e desperta novas ideias”, postula. E se muito do tempo que as pessoas lamentam não ter para longas leituras é perdido nos engarrafamentos do trânsito, 18:30 propõe-se justamente a sintetizar angústias e divagações de motoristas na clausura dos carros. Como no microconto em que Mesquita, curitibano radicado em São Paulo, escreve: “O crime: querer seu espaço na cidade grande. A pena: 3 horas de detenção por dia, no mínimo”.

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